Lula não é um mito, Lula é uma ideia

Lula não é um mito, Lula é uma ideia

Durante um determinado período da História do Brasil República o debate político e intelectual foi uma constante, tanto no campo da esquerda quanto no campo da direita e de um com o outro. Debate de alto nível envolvendo figuras de proa do pensamento brasileiro como Merquior, Celso Furtado, Caio Prado, Roberto Campos e inúmeros outros. Infelizmente esta tradição foi soterrada nos últimos anos, primeiro por um jornalismo rasteiro e simplório e depois pela internet e a mediocridade do senso comum que tem se generalizado de parte a parte. Por que faço essa introdução? Para dizer da imensa alegria em poder dialogar, mesmo que dentro do mesmo espectro político, com o amigo Bruno Oliveira, que ao citar um texto meu sobre Lula e sua caravana pelo Nordeste fustigou o debate. Pois bem, comecemos pelo começo. O título do artigo de Bruno. O que Lula veio fazer em Pernambuco? Respondo, discordando. Lula não veio a Pernambuco. Lula passou por Pernambuco. Portanto, seus movimentos políticos tanto aqui quanto no estado vizinho de Alagoas não podem ser entendidos como uma visita pontual, fora de uma estratégia política de ordem nacional. Que diz respeito, sobretudo, a construção da possibilidade de 2018, muito mais que da candidatura de Lula. Nesta perspectiva o diálogo com Renan em Alagoas e com os Campos aqui é mais que fundamental. Haveria Lula de ter conversado com outros quadros, e preservar um certo moralismo puritano? Possivelmente. Mas a intenção de Lula nesta caravana não é falar só para convertidos e tão somente para os puros de coração. Em Alagoas e Pernambuco, Renan e os Campos, assim como Armando ainda são àqueles com os quais ainda é possível conversar, senão para converte-los, mas ao menos para não tê-los como inimigos, numa batalha que promete ser violenta, de vida ou morte. Na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará, Piauí e Maranhão Lula está tendo e terá uma outra realidade. Na Paraíba Ricardo Coutinho, também do PSB, é o governador melhor avaliado do país, lhe fez palanque e foi, desde muito tempo, aliado de primeira ordem. Lá Lula não precisa dialogar com os Cunha Lima, por exemplo. O mesmo ocorre no Rio Grande do Norte e até mesmo no Ceará, dos Gomes, onde o PT e as esquerdas tem um forte lastro social e ainda preserva grande capital político a nível estadual. O mesmo valerá para o Piauí e o Maranhão, onde temos, respectivamente, um governador do PT e outro do PCdoB. Mas também não se espantem se Lula vier a conversar com Sarney, por que dentro da estratégia nacional este ainda pode ser uma força a ser arregimentada para a construção de consensos mínimos. Dei estes exemplos para demonstrar que, diferente do que argumenta Bruno Oliveira, Lula não veio a Pernambuco para desfazer uma estratégia das esquerdas ou redefinir alianças ou até mesmo não ouvir as bases. Por que, de todos os estados nordestinos, Pernambuco é onde as esquerdas se encontram mais destroçadas. Assim como não há lideranças, também não há bases e não há militância para além de alguns gatos pingados. Em especial no PT. Tanto que o nome que se coloca como possibilidade é o de uma herdeira de Arraes, que só saiu do PSB por que foi preterida pelo atual grupo político que hoje o hegemoniza no estado. As bases do trabalhismo pernambucano, em especial aquele ligado ao campo, sempre foi arraesista. A militância de esquerda, em sua maioria, idem. Lula, melhor que ninguém, sabe disso. Seu diálogo com os Campos é uma tentativa de preservar alguma coisa do PT no estado, muito mais que capitalizar para si algum dividendo político. Lula usa sua força para salvar o PT no estado, por que ele sabe que em Pernambuco ele é imensamente maior que a própria esquerda. Fora a questão nacional já aludida, se há um componente local de sua visita aos Campos, é esse. Por fim, retomo o argumento que dá título a este texto. Lula não é um mito, Lula é uma ideia. E as ideias se prolongam no tempo e se adaptam a ele. O que torna Lula raro é justamente sua capacidade adaptativa. É esse faro político de enxergar o obivio. O que no Brasil de hoje, envolto numa bruma de desesperança, lhe dá uma vantagem enorme. Lula é o que é não por que seja um mito ou um deus grego, apolíneo, mas porquê humano, demasiado humano. No mundo do marketing e da propaganda, onde tudo parece fabricado e artificial, Lula permaneceu humano, contraditório, chorão, brigão, fanfarrão, vaidoso, risonho, bravateiro, bonachão, povo. Até quando lhe acusam reforçam sua humanidade. O presidente que era a "porra toda", o "chefe da quadrilha" foi, supostamente, corrompido por um sítio mequetrefe com dois pedalinhos e um barco de lata, e três unidades do minha casa minha vida empilhadas uma em cima da outra, numa praia classe média baixa de São Paulo. Vai ser povo assim em Atibaia e no Guarujá. Igual Cabral, Aécio, Serra et caterva. A força política de Lula não vem de sua mitificação, mas de sua humanidade. Da capacidade política que ele tem de compreender que é um agente histórico e que só é capaz de agir a partir dos dados concretos que esta realidade impõe. Não se faz política fora da história, e as condições históricas que temos hoje são as mesmas das eleições passadas. A utopia tem de ser um horizonte, mas ela não se constrói com sonhos e sim na dureza da realidade de cada dia. Lula, mais uma vez, mesmo do alto de seus 71 anos, está dando a cara a tapa para bater. E apanhar da realidade requer coragem, inclusive a de arriscar e ver dar tudo errado novamente. Mas com a certeza de levantar novamente e arriscar outra vez. É isso que Lula vem fazendo nos últimos 40 anos. Acertando e errando, como todo ser humano. Mas sempre de pé, firme como uma ideia. Por Wagner Geminiano - Doutorando em História pela UFPE e colunista semanal do Blog Ponto de Vista

Lula

Durante um determinado período da História do Brasil República o debate político e intelectual foi uma constante, tanto no campo da esquerda quanto no campo da direita e de um com o outro. Debate de alto nível envolvendo figuras de proa do pensamento brasileiro como Merquior, Celso Furtado, Caio Prado, Roberto Campos e inúmeros outros. Infelizmente esta tradição foi soterrada nos últimos anos, primeiro por um jornalismo rasteiro e simplório e depois pela internet e a mediocridade do senso comum que tem se generalizado de parte a parte.

Por que faço essa introdução? Para dizer da imensa alegria em poder dialogar, mesmo que dentro do mesmo espectro político, com o amigo Bruno Oliveira, que ao citar um texto meu sobre Lula e sua caravana pelo Nordeste fustigou o debate. Pois bem, comecemos pelo começo. O título do artigo de Bruno. O que Lula veio fazer em Pernambuco? Respondo, discordando. Lula não veio a Pernambuco. Lula passou por Pernambuco. Portanto, seus movimentos políticos tanto aqui quanto no estado vizinho de Alagoas não podem ser entendidos como uma visita pontual, fora de uma estratégia política de ordem nacional. Que diz respeito, sobretudo, a construção da possibilidade de 2018, muito mais que da candidatura de Lula. Nesta perspectiva o diálogo com Renan em Alagoas e com os Campos aqui é mais que fundamental.

Haveria Lula de ter conversado com outros quadros, e preservar um certo moralismo puritano? Possivelmente. Mas a intenção de Lula nesta caravana não é falar só para convertidos e tão somente para os puros de coração. Em Alagoas e Pernambuco, Renan e os Campos, assim como Armando ainda são àqueles com os quais ainda é possível conversar, senão para converte-los, mas ao menos para não tê-los como inimigos, numa batalha que promete ser violenta, de vida ou morte.

Na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará, Piauí e Maranhão Lula está tendo e terá uma outra realidade. Na Paraíba Ricardo Coutinho, também do PSB, é o governador melhor avaliado do país, lhe fez palanque e foi, desde muito tempo, aliado de primeira ordem. Lá Lula não precisa dialogar com os Cunha Lima, por exemplo. O mesmo ocorre no Rio Grande do Norte e até mesmo no Ceará, dos Gomes, onde o PT e as esquerdas tem um forte lastro social e ainda preserva grande capital político a nível estadual. O mesmo valerá para o Piauí e o Maranhão, onde temos, respectivamente, um governador do PT e outro do PCdoB. Mas também não se espantem se Lula vier a conversar com Sarney, por que dentro da estratégia nacional este ainda pode ser uma força a ser arregimentada para a construção de consensos mínimos.

Dei estes exemplos para demonstrar que, diferente do que argumenta Bruno Oliveira, Lula não veio a Pernambuco para desfazer uma estratégia das esquerdas ou redefinir alianças ou até mesmo não ouvir as bases. Por que, de todos os estados nordestinos, Pernambuco é onde as esquerdas se encontram mais destroçadas. Assim como não há lideranças, também não há bases e não há militância para além de alguns gatos pingados. Em especial no PT. Tanto que o nome que se coloca como possibilidade é o de uma herdeira de Arraes, que só saiu do PSB por que foi preterida pelo atual grupo político que hoje o hegemoniza no estado.

As bases do trabalhismo pernambucano, em especial aquele ligado ao campo, sempre foi arraesista. A militância de esquerda, em sua maioria, idem. Lula, melhor que ninguém, sabe disso. Seu diálogo com os Campos é uma tentativa de preservar alguma coisa do PT no estado, muito mais que capitalizar para si algum dividendo político. Lula usa sua força para salvar o PT no estado, por que ele sabe que em Pernambuco ele é imensamente maior que a própria esquerda. Fora a questão nacional já aludida, se há um componente local de sua visita aos Campos, é esse.

Por fim, retomo o argumento que dá título a este texto. Lula não é um mito, Lula é uma ideia. E as ideias se prolongam no tempo e se adaptam a ele. O que torna Lula raro é justamente sua capacidade adaptativa. É esse faro político de enxergar o obivio. O que no Brasil de hoje, envolto numa bruma de desesperança, lhe dá uma vantagem enorme. Lula é o que é não por que seja um mito ou um deus grego, apolíneo, mas porquê humano, demasiado humano. No mundo do marketing e da propaganda, onde tudo parece fabricado e artificial, Lula permaneceu humano, contraditório, chorão, brigão, fanfarrão, vaidoso, risonho, bravateiro, bonachão, povo. Até quando lhe acusam reforçam sua humanidade. O presidente que era a “porra toda”, o “chefe da quadrilha” foi, supostamente, corrompido por um sítio mequetrefe com dois pedalinhos e um barco de lata, e três unidades do minha casa minha vida empilhadas uma em cima da outra, numa praia classe média baixa de São Paulo. Vai ser povo assim em Atibaia e no Guarujá. Igual Cabral, Aécio, Serra et caterva.

A força política de Lula não vem de sua mitificação, mas de sua humanidade. Da capacidade política que ele tem de compreender que é um agente histórico e que só é capaz de agir a partir dos dados concretos que esta realidade impõe. Não se faz política fora da história, e as condições históricas que temos hoje são as mesmas das eleições passadas. A utopia tem de ser um horizonte, mas ela não se constrói com sonhos e sim na dureza da realidade de cada dia. Lula, mais uma vez, mesmo do alto de seus 71 anos, está dando a cara a tapa para bater. E apanhar da realidade requer coragem, inclusive a de arriscar e ver dar tudo errado novamente. Mas com a certeza de levantar novamente e arriscar outra vez. É isso que Lula vem fazendo nos últimos 40 anos. Acertando e errando, como todo ser humano. Mas sempre de pé, firme como uma ideia.

Por Wagner Geminiano – Doutorando em História pela UFPE e colunista semanal do Blog Ponto de Vista

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