Sobre a ideia da Democracia – Por Wagner Geminiano

Sobre a ideia da Democracia – Por Wagner Geminiano

  Por Wagner Geminiano* Há uma concepção senso comum de democracia que acredita que ela é o sistema político que permite todos os tipos de opinião e posição. Como todo senso comum este é mais um equívoco. É um conceito distorcido de democracia, produto de uma deformação das sociedades modernas, o individualismo exacerbado. Que toma a democracia como o arbítrio de cada um. Este tipo de pensamento produziria justamente o caos e a desordem absolutas. Como antídoto a esta doença, nossas sociedades modernas criaram o que chamamos de Estados Democráticos de Direito, onde a democracia é um valor balizado e avaliado a partir de muitos outros valores, a exemplo da liberdade, da coletividade e da dignidade humana. Num estado democrático de direito, como o nosso, nem toda posição é tolerável e possível de ser expressa. Numa democracia madura, onde as pessoas se reconhecem vivendo num estado democrático de direito, não é possível tolerar o intolerável. Discursos de ódio, discursos racistas, discursos misóginos, discursos machistas, reacionários, escravagistas atentam contra a liberadade, a coletividade e, sobretudo, a dignidade humana. O que se precisa enteder é que o limite do mundo não é dado pelo limite da opinião de cada um, o mundo não é uma ilha em que habitamos nele sozinho e que, no fim e ao cabo, nossa "opinião própria" nos bastaria. Num estado democrático de direito, nosso limite é sempre o outro ou os outros. E quer queiramos ou não, os outros nos interpelam, nos questionam e nos afrontam. Por que a opinião de cada um, como um casulo ou uma armadura que supostamente nos protegeria ou nos tornaria únicos frente ao mundo e aos outros, uma individualidade a parte, não passa de uma ilusão produzida pelo hiperindividualismo de nossos tempos. Portanto, a democracia não é a redução do todo a independência e liberdade de cada indivíduo. Muito menos a liberdade de ser aceito e tolerado em tudo que se fala, se diz ou se pensa. A democracia tem sempre como limite último a dor do outro. E aprendemos isso a duras penas, quando o nazismo fez da democracia o reino do árbitrio da vontade e do dizer de cada um. A democracia não é a possibilidade da convivência de todas as opiniões e posições, mas, ao contrário, é a possibilidade da existência do conflito entre todas estas opiniões e posições, na tentativa histórica de se construir consensos em busca do convívio em sociedade. *Doutorando em História pelo PPGH - UFPE

 

Por Wagner Geminiano*

Há uma concepção senso comum de democracia que acredita que ela é o sistema político que permite todos os tipos de opinião e posição. Como todo senso comum este é mais um equívoco. É um conceito distorcido de democracia, produto de uma deformação das sociedades modernas, o individualismo exacerbado. Que toma a democracia como o arbítrio de cada um. Este tipo de pensamento produziria justamente o caos e a desordem absolutas. Como antídoto a esta doença, nossas sociedades modernas criaram o que chamamos de Estados Democráticos de Direito, onde a democracia é um valor balizado e avaliado a partir de muitos outros valores, a exemplo da liberdade, da coletividade e da dignidade humana.

Num estado democrático de direito, como o nosso, nem toda posição é tolerável e possível de ser expressa. Numa democracia madura, onde as pessoas se reconhecem vivendo num estado democrático de direito, não é possível tolerar o intolerável. Discursos de ódio, discursos racistas, discursos misóginos, discursos machistas, reacionários, escravagistas atentam contra a liberadade, a coletividade e, sobretudo, a dignidade humana. O que se precisa enteder é que o limite do mundo não é dado pelo limite da opinião de cada um, o mundo não é uma ilha em que habitamos nele sozinho e que, no fim e ao cabo, nossa “opinião própria” nos bastaria. Num estado democrático de direito, nosso limite é sempre o outro ou os outros. E quer queiramos ou não, os outros nos interpelam, nos questionam e nos afrontam. Por que a opinião de cada um, como um casulo ou uma armadura que supostamente nos protegeria ou nos tornaria únicos frente ao mundo e aos outros, uma individualidade a parte, não passa de uma ilusão produzida pelo hiperindividualismo de nossos tempos.

Portanto, a democracia não é a redução do todo a independência e liberdade de cada indivíduo. Muito menos a liberdade de ser aceito e tolerado em tudo que se fala, se diz ou se pensa. A democracia tem sempre como limite último a dor do outro. E aprendemos isso a duras penas, quando o nazismo fez da democracia o reino do árbitrio da vontade e do dizer de cada um. A democracia não é a possibilidade da convivência de todas as opiniões e posições, mas, ao contrário, é a possibilidade da existência do conflito entre todas estas opiniões e posições, na tentativa histórica de se construir consensos em busca do convívio em sociedade.

*Doutorando em História pelo PPGH – UFPE

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